Os coordenadores do Núcleo de Práticas Artísticas Autobiográficas – NuPAA anunciam os projetos de pesquisa selecionados para integrarem as atividades do Grupo de Pesquisa de setembro de 2020 a agosto de 2021 (resultado ordenado por linha de pesquisa e por ordem alfabética):
Linha 1: Autobiografia e Decolonialidade nas Práticas Artísticas Contemporâneas
Bernardo de Morais Pinto
Autopoiese sertaneja, um estudo autobiogeográfico
Resumo: Esta pesquisa não pretende apenas traçar um perfil sócio-cultural ou identitário do sertanejo, mas representá-lo em uma linguagem visual autobiográfica, cônscio do espaço que habita, suas raízes, porém em uma revisitação em busca de uma narrativa decolonizada. Reflete sobre a relação entre arte, memória, identidade, e a imagem do sertão e seus viventes. Proponho a revisitação do lugar onde fui criado, a fazenda Barra das Lages, no sertão norte mineiro, para imergir na natureza simbólica, mítica e contemplativa das memórias de infância.
Daniela Alves Marques
Saltos: métodos para inventar fálus
Resumo: O presente projeto de pesquisa parte da experiência autobiográfica da pesquisadora como professora e da utilização de determinados usos indumentários por ela como instrumentos que facilitam a ocupação desse lugar de poder. O projeto visa investigar o modo como o uso de tais instrumentos empoderadores participam em uma “montação” da identidade feminina da autora. A pesquisa visa desenvolver-se sob um viés metodológico artográfico que, no campo da autobiografia, mobilize conceitos e categorias relacionados à Teoria Queer e à decolonialidade.
Emili Hirabara Tanaka
Para se fazer ver
Resumo: Este projeto de pesquisa se propõe a realizar um estudo sobre estereótipos, em específico, estereótipos asiáticos, principalmente de japoneses. Partindo da minha experiência de vida sobre ser asiática brasileira pude perceber os malefícios que estereótipos causam, não somente em esfera pessoal, como pequenas discriminações do dia-a-dia, mas também num aspecto sociológico, onde se pode observar que estereótipos possuem estreita ligação com relações de poder e que baseado em interesses contribuem para apagamentos de histórias, silenciando várias vozes que necessitam ser ouvidas. Visando a prática artística como um espaço de enunciação para se refletir essas questões, busco adquirir um fundamento teórico pesquisando sobre como o contexto histórico influenciou na construção da imagem do Japão e no surgimento dos estereótipos dos asiáticos no Brasil. A necessidade dessa pesquisa surge quando compreendo que, como descendente de japoneses, preciso/sinto o dever de tomar um posicionamento crítico de não ser condizente com apagamentos históricos e esquecimentos que estereótipos ajudam a instituir.
Felipe Matheus Pires da Conceição*
Seu futuro está aqui, no presente
Resumo: Seu presente está aqui, no futuro propõe, uma leitura através do gesto poético da caminhada e da interlocução com autoras e autores dos campos da psicanálise, autobiografia e das artes. Essa abordagem visa uma investigação poética de meu isolamento social, observando as marcas e transbordamentos da pandemia de Covid19 e da disputa intensa de narrativas hegemônicas no campo da política, através do confronto das cercanias de onde habito e às quais me encontro inscrito nesse período. Trata-se, assim, de observar as implicações possíveis para o estabelecimento dessas relações, em um mundo onde as confusões entre o local e o global não são apenas restritas à análise econômica. Nesse sentido, o gesto poético da caminhada busca se amparar na riqueza simbólica que permeia esse trajeto compreendido entre os bairros Santa Genoveva, Guanabara e Jaó, em Goiânia, onde buscarei refletir sobre a crise global e a impossibilidade de deslocamento.
*Renovação de vínculo: pesquisador cadastrado no NuPAA desde 4/12/2018
Julliana Rodrigues de Oliveira
Vó Leonor anuviô: sobre a presença após a partida
Resumo: Assim que foram confirmadas as primeiras mortes por Covid-19 no Brasil e os primeiros casos no Estado de Goiás, foram decretadas pelo governo de Goiás medidas para conter a disseminação do vírus. No dia 16/03 entrou em vigor as medidas de distanciamento social que visavam impedir aglomerações de pessoas. Foram então, dadas uma série de orientações que atingiam diversas dinâmicas sociais. Nesse contexto, em 20 de março de 2020, minha avó faleceu por causa de complicações respiratórias, na cidade de Jataí, no interior do Estado de Goiás. Houve a determinação de que haveria restrição do número de pessoas nos velórios e duração máxima de 3 horas. Por isso eu, meu irmão e os filhos e Netos que não moravam na cidade fomos impedidos de vivenciar os ritos fúnebres e ficou essa sensação de que o processo de luto foi atravessado. Por um bom tempo vivenciei uma sensação de suspensão na qual eu sabia de sua morte, mas não sentia. A não despedida gerou uma imensa angústia, e a falta do rito uma sensação de que a partida não fez justiça a quem ela foi. Minha avó foi mulher simples, trabalhadora, sofrida, violentada, mas forte e ao mesmo tempo suave. Pessoa absolutamente amável, o que a tornava popular e querida principalmente pelos moradores mais antigos da vizinhança, ela viveu por mais de 60 anos no mesmo endereço. Frequentava todos os velórios de seus amigos e várias vezes demonstrou preocupação a respeito de quanta gente haveria no velório dela, porque ela percebia isso como um sinal de quanto uma pessoa era querida. Quando ela morreu nesse cenário, a maior tristeza que me abateu foi de sentir que ela foi despersonalizada, que houve frieza no processo e por maior que seja meu entendimento da situação imensamente grave atravessada pela humanidade, não conseguia me distanciar da sensação de que não houve justiça a sua trajetória. Pensei nas dezenas de milhares de mortos pela Covid-19 somente no Brasil, e nas inumeráveis pessoas mortas por outras razões, mas que também partiram sem despedidas. Diante de todo esse contexto, me pus a buscar uma forma de lidar com um luto engasgado, que é muito provavelmente uma sensação compartilhada com tanta gente na atualidade. Foi quando percebi que não haveria celebração maior do que transformá-la em poética. E de quanta simbologia há, na expressão cotidiana do meu Ser conectado tão profundamente com os muitos níveis nos quais ela me formou. A partir de então veio o desejo de criar um memorial, adaptado para o contexto pandêmico que funcionaria como um ateliê aberto virtual, no qual o público por acesso nas redes sociais poderia acompanhar meus constantes exercícios de rememoração da figura de minha avó e ter contato direto com minha imersão nesse processo de luto. Esse processo será perpassado por conceitos como o de deslocamento, lugar, memória, morte e ritos fúnebres, feminismo, política, identidade, processos decoloniais, processos poéticos e autobiografia. Pretendo através desse projeto trabalhar minha origem, minha construção enquanto sujeita, a relação com a cidade de origem e a cidade para a qual migrei, os laços e memórias afetivos construídos, a luta para mantê-los, a dor do luto, a dificuldade da partida sem despedida, a vivência em um mundo pandêmico. Tudo isso perpassando pelas formas como a figura de minha avó permanece presente na minha formação de caráter, na minha postura política, na minha linguagem, na minha alimentação, na minha maternagem, ou seja, sobre como ela é viva em mim, mesmo após sua partida.
Marcela Faria dos Santos
Trajetória do corpomulher em ruínas: das amarras ao florescimento
Resumo: Percorrer o caminho da criação de si, da percepção de si através da arte. Uma narrativa que parte de origem que não é fixa, pois é no eu que brota. Um corpo mulher, marcado na história por ser perseguido, controlado, colonizado. A colonização da igreja ditou as normas para a existência por um grande período, mas ela não é o único caminho para se caminhar. A busca por outras perspectivas floresce em cura e em liberdade. E assim, a mulher desabrocha. Objetivo geral: Desenvolver uma pesquisa baseada na prática artística articulando os estudos autobiográficos, com a experimentação em dança, e a produção nas artes visuais. Busco revisitar o trabalho desenvolvido nas disciplinas de Processos Criativos em Dança I e II (Não existem bruxos, só bruxas) e na disciplina de Metodologia de ensino e pesquisa em dança II (Andaria) do curso de Licenciatura em Dança da UFG.
Nutyelly Cena de Oliveira
Práticas curatoriais insurgentes: rompendo e construindo [Outras] centralidades possíveis para a arte brasileira
Resumo: A presente proposta de pesquisa versa sobre a insurgência de ações promovidas por curadoras negras e não-brancas engajadas no processo de ocupação de espaços historicamente negligenciados às mesmas. Tendo como base as práticas curatoriais, serão explorados os principais estudos voltados à questão, assim como as experiências de vida das interlocutoras. A proposta é realizar um mapeamento de curadoras racializadas sobre suas trajetórias e como enxergam o momento artístico brasileiro atual, as mudanças do cenário nacional e as projeções para o futuro. Objetivamente falando, a proposta temática neste projeto de pesquisa é compreender e explicar um saber/fazer curatorial em uma perspectiva decolonial.
Linha 2: Processos Artísticos do Corpo e da Intimidade
Bruna Mazzotti Quintanilha
Tomos: escrituras performativas sobre o corpo à luz da cartomancia
Resumo: Este projeto tem por finalidade a composição de Tomos, artigos em escritura automática que abordam minhas proposições em artes do corpo por meio da cartomancia, dos quais tem como abordagem o discurso das conjunções de Tunga e o caráter de metodologia performativa de Brad Haseman. O seguimento da pesquisa perpassa por organizar cronologicamente e em pares as artes do corpo proferidas; embasar cada artigo com um par de proposições; retirar uma carta do Tarô para cada uma das proposições e, dessas conjunções, desvelar sentidos mediante à escritura. Assim, prevejo a continuidade de publicação dos Tomos dentro no NuPAA, ao escrever os Tomos V, VI e VII em tal vinculação.
Camila Borges Santos
Escritos e imagens de si, construção de uma narrativa autobiográfica feminista em meio a pandemia do Covid no centro de Goiânia
Resumo: O projeto pretende investigar o processo de criação de narrativa autobiográfica a partir das experiências das relações entre corpo, lugar, memória, intimidade, gênero e o isolamento social. No qual o Corpo da pesquisadora, marcado por marcadores sociais da diferença como raça, classe, gênero e geração, se torna fio condutor para a construção da narrativa autobiográfica que se tece em torno do lugar, memória, solidão e intimidade no contexto da pandemia do Covid-19 e do isolamento social. Apontando para a criação de uma narrativa autobiográfica artística, na contramão do pensamento cartesiano e lógico matemático. A proposta foca na construção da narrativa como estruturante/estruturado principal da experiência de interação entre sujeito e realidade. Uma vez que, segundo Marques (2017) a pesquisa narrativa oportuniza o encontro do individual e do coletivo, visto que o narrador carrega a marca do singular em sua narrativa, ao mesmo tempo em que traz a marca da cultura, da história e do contexto. Partindo do conceito de “espaço biográfico” da pensadora Leonor Arfuch, (2009), a construção da narrativa se fará a partir das experiências íntimas de uma mulher, branca, desempregada, jovem e moradora do centro de Goiânia. A narrativa carregará um viés de crítica feminista e gênero, conjugando o biográfico e o mundo público. Uma vez que a tomada da intimidade e do local casa, lar, como lugar de pesquisa por si subverte a dicotomia público/privado. Ao tecer outros olhares para elementos tipicamente íntimos e privados, além do lar, os diários escritos e anotações refletindo o momento histórico e cultural no contexto da pandemia. Possibilitando o que Tvardovskas (2010) chamou de desintegração de corpos e elementos marcados pelo privado, ao conjuga-los com as problemáticas culturais, propondo caminhos diferenciados para a constituição das subjetividades na atualidade, para além do modelo branco, colonizador, masculino, heterossexual. Assim, a construção do processo de narrativa se fará a partir do trânsito entre prática e teoria. A partir de levantamentos teóricos que abordam as relações entre os conceitos, corpo, lugar, gênero, intimidade e memória entrelaçando-os com o pesquisar e o fazer artístico. Tecendo a teoria junto aos experimentos do narrar sobre si a partir da fotografia analógica, digital, a montagem de vídeo e a escrita de diários. Explorando a escrita de si como exercício de filme ensaio, uma vez que segundo Almeida (2017) o filme ensaio explora a intimidade do montador ao mesmo tempo que converte a natureza íntima e privada da narrativa em projeção pública. E, por fim, constituindo a narrativa interpessoal a partir da travessia de descoberta da obra, das experimentações das mídias e do caminho percorrido, ou seja, do estar fazendo a obra, como propõe Klee (apud Rey, 2002) “A obra é caminho dela mesma”.
Davidson José Martins Xavier
Corpo Bordado: Por uma dramaturgia do corpo
Resumo: Pretendo um aprofundamento teórico na dramaturgia da dança, focando-me em um processo de criação corporal baseado em dispositivos criadores da dança-teatro bauschiniano. Conceitos como corpo-memoria, corpo-bordado e dramaturgia à deriva serão desdobramos em busca de uma dramaturgia que tenha como material a própria vida, refletida em trabalhos experimentais de vídeo. A escolha deste tema que considero derivante se adequa à linha de pesquisa pretendida, evidenciando uma forma porosa na
arte que busca soluções diferenciadas. A observação destes campos será por pensadores que reflitam sobre o corpo, sendo irrelevante de qual universo pertençam (dança, teatro, arte visual), pois acredito que estes caminhos do teatro, dança e das visualidades como paralelos e atravessadores.
Marcus Vinicius do Prado Santos
Autoetnografia em dança: estudo da improvisação como processo artístico e espiritual
Resumo: O ingresso no curso de licenciatura em dança partiu do impulso criado por uma inercia criativa tão grande que levou a um quadro depressivo. A mudança de João Pinheiro/MG para Goiânia foi um ato de fuga de uma realidade insatisfatória de pobreza “espiritual”, que se manifestava na saúde física e mental. Assim se formou uma necessidade de saber o motivo da minha inadequação nos espaços e a dança se tornou um modo de observação dos meus processos internos em relação com o mundo. O desconforto e a intimidade causados pelo trabalho corporal me proporcionaram rupturas de velhos padrões e conceitos sobre mim e sobre os outros. Vislumbrando essa nova dimensão, existe um anseio por sistematizar os caminhos percorridos como forma de materializar esses processos numa pesquisa acadêmica.